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Portais Multidimensionais

O primeiro relato conhecido de um portal para outro mundo remonta às tradições mitológicas e espirituais de civilizações muito antigas. Esses relatos não usavam o termo portal como usamos hoje, mas descreviam passagens entre mundos visíveis e invisíveis, terrenos e espirituais, muitas vezes acessadas por rituais, sonhos ou estados alterados de consciência.

Na mitologia Suméria – 3000 a.C. vimos a narrtiva na história de Inanna ou Ishtar, deusa do amor e da guerra, é um dos primeiros relatos de uma travessia entre mundos. No mito, ela desce ao mundo subterrâneo, conhecido como Kur ou Irkalla, passando por sete portões para encontrar sua irmã Ereshkigal. Essa narrativa é vista por muitos estudiosos como simbólica de um portal entre o mundo dos vivos e o dos mortos.

Os egípcios, Egito antigo – 2500 a.C., acreditava-se na Duát, o mundo espiritual que os mortos atravessavam após a morte. Os livros funerários, como o Livro dos Mortos, descrevem rituais e palavras de poder para abrir portais espirituais, permitindo que a alma transite em segurança pelos reinos invisíveis.

Nas tradições xamânicas de povos originários (como os siberianos, amazônicos e norte-americanos), os xamãs são mediadores entre mundos. Através de experiências induzidas por tambor, plantas sagradas ou danças, eles acessam portais espirituais para curar, buscar visões ou conversar com entidades de outros planos.

Relatos na mitologia Grega – 800 a.C., como o de Orfeu, que desce ao Hades para resgatar Eurídice ou os portões do Tártaro e do Olimpo, falam de caminhos secretos entre mundos. Muitos desses caminhos só podiam ser acessados com auxílio divino ou rituais sagrados.

Nos Vedas e no Mahabharata, Textos Védicos e Hinduísmo – c. 1500 a.C., há menções a reinos paralelos, como Svarga ou céu e Patala, referindo-se ao submundo, acessados por iogues e seres divinos através de meditação profunda ou portais energéticos. Os chakras são vistos como passagens internas para outras dimensões de consciência.

Embora o termo moderno portal seja mais recente e comum em ficções científicas e ocultismo contemporâneo, os primeiros relatos de portais entre mundos são milenares, muitas vezes ligados a espiritualidade, rituais de iniciação ou experiências de delírio.

Há algo que pulsa por trás da superfície do cotidiano. Uma vibração sutil, constante, que aguarda o instante exato em que a consciência se aquieta para escutar. Os antigos sabiam reconhecer esse chamado. Suas práticas não nasceram da lógica, mas da meditação. A escuta meditativa do corpo, da natureza, do invisível que sussurra nos intervalos entre um pensamento e outro. Eles compreendiam que o mundo visível é apenas um fragmento da realidade. Através de rituais, criaram caminhos vivos para atravessar os véus entre as dimensões.

Os portais se abrem quando há verdade. Quando o corpo se apresenta inteiro, sem defesas. Quando a intenção vibra mais forte do que o medo. Esses rituais, transmitidos de boca em boca, de coração em coração, seguem vivos em comunidades remotas, em corpos que dançam em silêncio e em mãos que oferecem folhas ao fogo com respeito absoluto. Vestígios sagrados deixados em um tempo onde o corpo era chave, o fascínio era linguagem e os mundos se tocavam por dentro.

As civilizações antigas construíram sua realidade ao redor desses ritos. Eles buscavam reconexão. Eles sabiam que a cura não é um fim, mas um retorno. Um retorno para si, para o centro, para o arrebatar original onde todos os mundos se encontram. Os portais multidimensionais pertencem ao agora e se revelam sempre que o corpo se recorda de sua linguagem esquecida.

O corpo é templo e caminho, capaz de guardar memórias que a mente não alcança. Cada osso protege histórias e cada músculo exalta com códigos antigos. Quando o corpo entra em estado ritual, ele ativa essas linguagens e o movimento deixa de ser repetição e passa a ser portal. Um gesto que nasce da barriga pode abrir passagens que a fala não alcança.

As tradições africanas mantêm danças circulares que ressoam com as forças da terra. As espirais do quadril, os pés descalços no chão, os olhos voltados para o centro do círculo. Tudo se alinha com os elementos e com os ancestrais. O corpo orienta e aponta direções invisíveis e convida o praticante a atravessar.

No Xamanismo amazônico, os corpos entram em estado de expansão através da repetição de movimentos simples. O balançar do corpo ao som do maracá, a sincronicidade entre respiração e canto, cria um campo onde a consciência se dilata, a percepção se expande e realidade se revela aos poucos, então, a fronteira entre dentro e fora se dissolve com suavidade.

Esses estados de abertura permitem que a pessoa entre em contato com aspectos profundos de si, fazendo com que o ego perca força. A máscara social se desfaz e a alma emerge. Nesse espaço de verdade, os portais se tornam visíveis e o corpo dança, canta, treme, chora, respira com mais profundidade e se reconecta com o que sempre soube.

A linguagem do corpo é orgânica, ela escapa das amarras da racionalidade. Quando o corpo se entrega ao rito, ele se transforma em instrumento de cura, de conexão e transcendência. observar o corpo é escutar a alma.

Batidas que Lembram o Espírito

O som é um condutor que penetra o corpo sem pedir permissão e emite uma vibração em cada célula, despertando memórias adormecidas. Nos rituais antigos, o som era mais do que estética, era ferramenta sagrada. Um tambor bem tocado move a alma com mais força do que qualquer palavra. Um canto ancestral, repetido por gerações, transporta códigos que atravessam o tempo.

A tradição ayahuasqueira utiliza os icaros, cantos canalizados durante os trânsitos xamânicos, como guias durante a travessia. O som do icaro orienta a alma como uma trilha luminosa no meio da floresta interna. Aquele que ouve entra em ressonância com o canto e se move por dentro.

Nas rodas de tambor da tradição sufista, o ritmo se intensifica até que o ego se dissolve. O som se torna tão intenso, tão presente, que a mente se cala. A alma assume o comando. O corpo entra em embriaguez e o som cria um túnel vibratório e nesse túnel, o espírito encontra caminhos que só a vibração permite acessar.

O silêncio entre os sons carrega potência e prepara o campo. Ele respira junto com o praticante e acolhe as revelações. Quando o som é respeitado como entidade viva, ele responde, se revela, cura e mostra caminhos.

Cantar com o coração, tocar com o corpo inteiro e escutar com a alma aberta. Tudo isso abre portais e transforma o ambiente. O som preenche o espaço com convicção e o espaço, quando preenchido com amor, se curva e revela sua verdadeira natureza, um lugar onde tudo é possível.

Fogo que Consome o Ego

Os rituais antigos aconteciam sempre em comunhão com os elementos. Cada elemento era um mestre, um aliado, uma presença viva. O fogo era convocado para transmutar, para iluminar, para aquecer o coração da roda. A terra sustentava os pés, recebia as oferendas, acolhia as lágrimas. A água limpava os corpos, levava embora o que precisava partir, despertava a fluidez interna. O ar movimentava os pensamentos, espalhava os cantos, levava os pedidos aos mundos invisíveis.

No ritual de Temazcal, todos os elementos se encontram. O fogo aquece as pedras, a terra sustenta a tenda, a água banha as pedras e cria o vapor e o ar circula entre os corpos, trazendo alívio e revelações. O corpo sua, as emoções emergem, as palavras se tornam orações, a escuridão acolhe, o calor quebra resistências e no centro, o ser se rende.

As oferendas feitas à natureza carregam desejos puros. Folhas entregues ao rio, flores deixadas ao pé da árvore e sementes sopradas ao vento. Cada gesto revela valorizaçao e os elementos sentem e respondem se abrindo quando recebem respeito.

Ao caminhar descalço sobre a terra úmida, ao mergulhar em um rio com reverência, ao acender uma vela com amor, algo se alinha dentro. O corpo se lembra de sua natureza. A alma se posiciona. E o mundo responde. Os portais se abrem como flores diante do sol. Porque tudo coopera. Tudo vibra junto. Os elementos abrem portas que só o coração sabe atravessar.

Só Atravessa ao se Permitir Morrer para Nascer

A entrega sustenta a passagem e convida à presença. Convida o ser a se despir das defesas, das estratégias e dos personagens. Convida o corpo a se amolecer, a se abrir e a receber. Aquele que se entrega toca o mistério com a pele da alma.

Nos rituais de renascimento, a respiração é a ferramenta. Inspirar profundamente, expirar com lucidez, mergulhar no ritmo da vida até que a mente ceda. O corpo começa a tremular, as emoções emergem, imagens surgem e sensações profundas atravessam os tecidos e no meio do caos, uma paz se instala. O nascimento acontece fazendo com que velho se dissolva e o novo surge com suavidade.

A entrega convida ao desapego, convida a confiar no invisível, a caminhar sem mapa, a se permitir guiar pela intuição, a sentir em vez de entender, respirar em vez de resistir e a viver a celebração como quem mergulha no mar pela primeira vez.

Essa entrega transforma o campo, transforma o corpo, a percepção e quando tudo se transforma, o portal se revela em um estado de amor absoluto por tudo que se apresenta.

Quando o Portal se Abre

A jornada acontece como um sopro, um instante eterno em que tudo se alinha. O corpo sente, a alma sabe, o espírito caminha por caminhos que os olhos físicos não veem, mas o coração reconhece. Há um silêncio denso, uma vibração forte no ar e uma clareza tão profunda que nenhuma dúvida sobrevive, enquanto corpo vibra, o tempo cessa, o espaço se curva e o espírito caminha em múltiplas direções.

Os relatos de quem atravessou são similares em essência. Sentem-se expandidos, conectados a tudo, com uma lucidez amorosa que transcende qualquer explicação. O corpo se torna leve e ego se esvai. O amor se apresenta, o tempo perde seu ritmo habitual e revela sua verdadeira natureza, um espiral.

Nesse estado, o ser compreende sua interdependência com tudo e percebe que faz parte do vento, da folha, da pedra e do outro. Percebe que sempre soube o caminho porque seu interior o lembra e a liturgia reconecta.

Após a jornada algo muda e vida segue com mais textura. O cotidiano se torna sagrado e o corpo se torna altar. A respiração se torna ponte e ao mesmo que o portal se feche, a lembrança do caminho permanece vibrando nos sonhos, nos encontros e nos silêncios.

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